Em Bragança, mesmo no topo de Portugal, encontramos Rio de Onor, uma aldeia no Parque Natural de Montesinho e dividida com o país vizinho: em Espanha, Rihonor de Castilla; em Portugal, Rio de Onor, distinguidas entre os habitantes como o povo de acima e o povo de abaixo. A ligação entre estas aldeias originou um dialeto próprio, o rionorês, uma mistura entre o português e o castelhano.
Rio de Onor ganhou em 2017 o prémio de 7 Maravilhas de Portugal: Aldeias, na categoria de aldeia em área protegida, cuja final foi entre esta aldeia e Lindoso, no Parque Nacional da Peneda do Gerês (outra aldeia que já visitámos). Para Rio de Onor, parece-nos que este prémio foi uma forma importante de dinamizar uma aldeia que, com um crescente número de população envelhecida, corria o risco de cair no esquecimento. Podem ver o vídeo de candidatura da aldeia aqui.
A Aldeia Comunitária
O que mais distingue Rio de Onor das restantes aldeias de Portugal é o seu conceito de Aldeia Comunitária.
Durante anos, Rio de Onor e Rihonor de Castilla criaram um sistema de partilha, que incluía até justiça própria: os fornos e moinhos eram comunitários (como acontece noutras aldeias), mas também o eram os terrenos (trabalhados em conjunto e em ambos os lados da fronteira), o rebanho (que era rotativo), as colheitas eram divididas de forma igualitária, o touro era comunitário e as tarefas eram realizadas de forma partilhada. Em Rio de Onor praticava-se o verdadeiro conceito de vezeira, o pastoreio comunitário.
As infrações eram registadas na vara da justiça, instrumento que andava sempre com o mordomo, sendo que existia um mordomo em cada lado da fronteira.
Do lado português, a vara é dividida a meio, simbolizando os dois lados do rio. Cada família tem um entalhe e cada transgressão é apontada com uma marca na respetiva família. Uma transgressão simbolizava uma ida a conselho que definiria a quantidade de vinho a pagar como multa.
Houveram várias tentativas de separar estas aldeias. Franco e Salazar tentaram e, pouco tempo após o 25 de abril, as aldeias foram separadas a cadeado – mas nem isso funcionou. Mesmo durante o COVID-19, os governos de Portugal e Espanha perceberam a peculiaridade destas duas aldeias e permitiram atravessarem a fronteira durante duas horas às quartas e sábados (das 9h às 11h), de modo a permitir os agricultores com terrenos no país vizinho tratarem deles.
Moinho Comunitário
Deixámos o carro junto ao marco da fronteira e seguimos a pé para Rio de Onor. O primeiro ponto que encontrámos foi o seu moinho comunitário, cujo acesso é feito por uma rampa que nos leva até junto do rio.
Este é um moinho de água com um sistema de mós. O edifício foi recentemente reabilitado e, na verdadeira aplicação da palavra comunitário, pode ser utilizado por todos os habitantes. Encontra-se normalmente fechado, mas de certeza que se perguntarem, alguém o irá abrir.
Casa do Touro
Seguindo caminho, encontramos a Casa do Touro, aberta todos os dias (exceto segundas e terças) das 10h às 17h e com acesso gratuito. Recomendamos pararem a conhecer a história da aldeia neste espaço.
Como o nome indica, era neste edifício que ficava o touro comunitário da aldeia, tendo sido reconvertido para museu em 2018.
Entre os pontos mais importantes da Casa do Touro, observem a corrente que fechou a aldeia no pós 25 de abril, a vara da verdade e o documentário em exibição no andar de cima. Não deixem também de apreciar os trajes e máscaras típicas da região, que se assemelha muito aos caretos da aldeia de Podence, a uns km de Rio de Onor.
Ponte Romana de Rio de Onor
Atravessando em direção ao núcleo central da aldeia, vão estar a passar sob uma ponte romana do século XIX. De baixo passa o Rio Onor ou Rio Contensa, afluente do Rio Sabor, com nascente em Espanha.
Olhando para a direita, conseguem ver o lavadouro da aldeia.
Casas Típicas e o Carabelho
Chegando à parte com mais casas da aldeia, é altura de explorar as ruas de Rio de Onor.
Aqui encontramos as casas típicas de Trás-os-Montes, feitas em xisto e com telhados em lousa. As casas são, na sua maioria, de dois pisos, sendo a parte de baixo dedicada ao gado e aos produtos agrícolas, e a parte de cima acessível por uma escada exterior onde viviam as famílias. No andar de cima existe, quase sempre, uma varanda.
No andar de baixo destaca-se o mecanismo do carabelho: uma fechadura tradicional que demonstra a confiança existente na aldeia, uma vez que é facilmente aberto. É só passear pela aldeia e facilmente o vão identificar.
A Escola, o Baloiço e o Miradouro das 7 Aldeias Maravilha
Subam pelas ruas até chegarem à escola. Agora já não há nenhuma criança na aldeia, então ela foi completamente fechada, mas vão encontrar aqui uma vista incrível sobre a aldeia.
Aqui foi também colocado um baloiço e, claro, o tão famoso miradouro das 7 Aldeias Maravilhas de Portugal.
Igreja Matriz de Rio de Onor
Na ponta oposto da aldeia, encontra-se a Igreja Paroquial de Rio de Onor, a Igreja de São João Baptista.
Apesar de ser um edifício pequeno, é interessante ver o cuidado que a população lhe dedica. Chegámos no momento em que duas senhoras a decoravam para a missa (ritual que realizam todas as semanas) e que nos convidaram logo a entrar e conhecer a sua Igreja.
Ao seu lado encontra-se o Cemitério da aldeia.
Detalhes de Rio de Onor:
Forno e Forja Comunitária, Faceira, Pinturas, Café, Festividades e Artesanato
Já tínhamos ouvido falar que os habitantes de Rio de Onor eram de uma simpatia fora do comum – e não demorou muito até o vivenciarmos na primeira pessoa. Quando seguíamos em direção à Igreja, encontrámos duas senhoras debaixo de uma varanda: uma a remendar umas meias de vidro, outra de pé com o avental cheio de uvas que fomos “obrigados” a aceitar e a trazer para casa.
Incentivaram-nos a aproveitar que a Igreja estava aberta para conhecermos o seu interior. Questionámos sobre a forja e o forno comunitário, por onde tínhamos passado uns metros antes, e ouvimos a resposta de que agora está normalmente fechado mas “batam à porta de um vizinho que alguém tem a chave”. É um sentimento de abertura que não se encontra em qualquer aldeia.
Olhámos para trás e vimos uma enorme pintura em homenagem a Rio de Onor. As senhoras disseram que são feitas por um rapaz que vive na terra vizinha. Há vários espalhados pela aldeia e a população tem orgulho neles.
Seguimos caminho e não podíamos ir embora sem beber um café no Café da Associação, o espaço de convívio da aldeia. Em direção ao café, surge à vossa esquerda a faceira, o terreno (onde ainda se consegue ver as divisões em parcelas) e onde se praticava a agricultura comunitária.
Em direção ao carro, parámos na única loja de artesanato que estava aberta (existe pelo menos mais uma, mas visitámos num dia da semana no final de setembro, motivo pelo qual podia estar encerrada) – a Casa das Máscaras e Mais, e não conseguimos vir embora sem trazer de recordação uma máscara feita de cabaça.
Estas máscaras, idênticas às dos caretos de Podence, são depois complementadas por um fato um pouco diferente, que saem à rua no dia 6 de janeiro durante a Festa dos Reis ou Festa dos Rapazes, quando os mordomos da aldeia vão com os caretos de Rio de Onor realizar um peditório, realizando danças e brincadeiras no caminho.
Junto com os caretos segue a filandorra e as madamas. A filandorra consiste num rapaz vestido de mulher e com a cara tapada por renda, com uma roca numa mão e um fuso na outra, estando sempre a fiar. Junto seguem os rapazes vestidos de mulher a dançar, as madamas.
Rio de Onor é daquelas aldeias onde o tempo parece abrandar e cada momento é verdadeiramente aproveitado. Passear pelas ruas e sentir a simpatia e abertura da população é uma experiência maravilhosa, complementada pela beleza do local.
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