The Campo do Tarrafal, também conhecido como o Campo da Morte Lenta, foi uma das mais famosas prisões políticas do regime ditatorial português. Localizada em Cabo Verde, no ponto norte da Ilha de Santiago (praticamente oposto à capital, Praia), surgiu como prisão política para os antifascistas e, mais tarde, para os anticolonialistas.
No ano da sua abertura, em outubro de 1936, recebeu os primeiros 152 presos vindos de Lisboa, todos com algum tipo de acusação de movimento político contra o regime. Inicialmente o campo no Tarrafal era apenas um terreno de 200x150m rodeado de arame farpado onde os presos dormiam em barracas de lona. A casa de banho eram buracos no chão com latas lá dentro, a cozinha era um telheiro e as mesas do refeitório (cuja madeira depois foi usada para fazer caixões) eram ao ar livre. Só em 1937, com trabalho forçado dos prisioneiros, é que se começou a construir a vala em volta da prisão e o muro que a rodeia e, mais tarde, os edifícios.
O objetivo da criação de uma prisão tão longe do território nacional era o de afastar presos problemáticos (e com um objetivo muito claro anti regime) e passar a mensagem das consequências deste tipo de ações. Ao mesmo tempo, a Ilha de Santiago era longe o suficiente para que as condições vividas pelos presos não fossem tão facilmente comentadas em Portugal e o clima era seco e quente para castigar ainda mais quem lá se encontrava. O objetivo final era sempre o de castigar física e psicologicamente quem fazia frente ao regime ditatorial vivido em Portugal.
Os prisioneiros que aqui viviam experienciaram condições absolutamente desumanas, marcadas pela fome, tortura, trabalho forçado, falta de higiene e cuidados de saúde. A estas condições, somava-se o clima quente e desértico tão característico da Ilha de Santiago. Este conjunto de condições conduziu a que a Prisão do Tarrafal ganha-se o nome de Campo da Morte Lenta.
ao longo do seu período de atividade, o Campo de Concentração do Tarrafal recebeu mais de 500 presos
Durante o seu funcionamento, recebeu diversos presos antifascistas, sendo encerrado em 1954 e posteriormente reativado com o nome de Campo do Chão Bom em 1961. Nesta 2ª fase, recebia principalmente presos vindos das colónias, muitos deles membros dos grupos de independência de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. No total, estiveram aqui mais de 500 pessoas. O encerramento desta prisão deu-se apenas 20 anos depois, a 1 de maio de 1974, no pós 25 de abril.
Se quiserem conhecer em maior detalhe o dia-a-dia dos homens que aqui viveram, recomendamos lerem o artigo publicado pela Jornal Público em 2004. O artigo é intitulado de “O quotidiano no campo de concentração de Salazar” e é o melhor relato que encontrámos para realmente perceber e sentir o terror aqui vivido.
Atualmente está aqui instalado o Museu do Campo de Concentração do Tarrafal, ou Museu da Resistência, inaugurado em 2000. Desde a criação do museu, que começou apenas com uma sala de exposições, tem havido um investimento de modo a desenvolver e expandir o museu. A sua fase mais recente deu-se em 2024 na celebração dos 50 anos do 25 de abril, com a expansão da exposição.
O Museu funciona todos os dias, das 9h às 17h30 e tem o custo (em 2024) de 200$ ECV (cerca de 1,81€ à data da nossa visita).
Museu do Tarrafal
A visita ao Museu da Resistência inicia-se pelas portas principais de acesso à antiga prisão política. Daqui, surge logo uma sala à esquerda onde podem comprar o bilhete, recordações e onde tem um painel informativo sobre alguns dos vários campos de concentração que existiram no mundo.
Partindo daqui, surge um corredor rodeado de ambos os lados por edifícios onde se encontra a frase “AS FARP SAO O BRACO ARMADO DO PARTIDO AO SERVICO DO POVO”, em referência às Forças Armadas Revolucionárias do Povo, nome dado ao movimento de luta de Cabo Verde e Guiné-Bissau pela independência, sendo que o nome foi depois adotado pelas forças armadas do país, renomeadas nos anos 90 para Forças Armadas Cabo Verdeanas.
Neste corredor de edifícios pode já visitar-se um dos novos acrescentos ao museu: as paredes estão revestidas por imagens de pessoas que aqui viveram. Aquando da nossa visita, estavam também a instalar televisões, pelo que acreditamos que agora seja já possível ver imagens e vídeos da época, mas infelizmente não apanhámos essa parte da exposição.
Ao fundo deste corredor encontra-se o famoso “pôsto de socorros”, a enfermaria do Campo. Aqui trabalhou Esmeraldo Pais, conhecido como “o Tralheira”. Este homem, completamente desumano, recusava-se a ver os feridos, deixava os presos a sofrer das doenças e fingia não receber os medicamentos vindos de Portugal.
«não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito»
– palavras de Esmeraldo Pais, médico de serviço do campo
Daqui, o campo abre-se em duas alas. Para a esquerda encontram-se um grande número de celas (incluindo a dos portugueses), um grande pavilhão com muitos painéis informativos, livros e outros documentos da época, o edifício das casas de banho e o da cozinha. Na cozinha, os painéis informativos contam-nos que era muitas vezes utilizada carne podre e que o cheiro era tão mau que os presos tinham de tapar as narinas com pão para conseguirem comer.
Tirando a parte da cozinha e o pavilhão com os painéis informativos, sentimos que esta ala, principalmente a das celas, era ainda a que estava menos explorada uma vez que não tinha ainda placas informativas. No entanto, aquando da nossa visita, estavam a decorar novas salas (assumimos que para a celebração dos 50 anos do 25 de abril), pelo que pode ter sido mesmo por uma questão de dias que não vimos o produto final.
De seguida seguimos pela direita onde encontramos outro grande número de celas, incluindo a dos Cabo Verdianos (que estava fechada) e a dos Angolanos, onde se encontra uma descrição dos presos que aqui passaram, com fotografias. Esta foi uma das nossas salas favoritas – a existência de fotografias e estórias de vida tornou a experiência muito mais humana.
Outras salas que vão poder ficar a conhecer são a lavandaria, a sala de leitura e a frigideira, nome dado às câmaras onde os prisioneiros que desobedeciam às regras eram torturados, além da falta de água e comida e das temperaturas que podiam chegar aos 60ºC. Mais tarde a frigideira foi substituída pela holandinha que, pela sua construção e localização, funcionava como um verdadeiro forno. No total, cerca de 30 pessoas faleceram como consequência da frigideira.
No total, e como já foi mencionado, mais de 500 pessoas estiveram presos no Campo de Concentração do Tarrafal. Destes, há registo de 36 mortos, dos quais 32 portugueses, 2 angolanos e dois guineenses. No entanto, muitos outros viriam a morrer já depois da sua libertação, como consequência do verdadeiro inferno vivido no Campo da Morte Lenta.
Tarrafal: o que mais visitar
Apesar de ser mais conhecido pela prisão política, o Tarrafal é uma das zonas mais tropicais da Ilha de Santiago, com água do mar quente e num tom azul mais claro. É também daqui que partem muitos passeios de barco em volta da ilha.
Assim sendo, recomendamos que aproveitem para conhecer a maravilhosa Praia do Tarrafal, onde podem também sair para um passeio de barco (mas muitos cuidados com os esquemas, sempre!).
Aqui a temperatura da água é normalmente acima dos 20ºC e por isso muito agradável de mergulhar. A cor mais clara permite também ver o fundo do mar e dá sempre aquele aspeto mais tropical. Achámos a água mais salgada que a nossa.
Ao mesmo tempo, nas redondezas da praia encontram vários restaurantes (a preços agradáveis), uma gelataria e vários alojamentos. Quem visitar a Ilha de Santiago mais a fundo vai perceber que este é um dos pontos mais turísticos da ilha!
Se tiverem oportunidade, passem ainda pela Igreja de Santo Amaro Abade, uma grandiosa construção com mais de 100 anos e que todos os anos junta muitas pessoas na festa do seu padroeiro.
How to get
A nível de deslocações, a Ilha de Santiago tem um sistema de transportes muito completo, pelo que não existe grande dificuldade para chegar onde se pretende.
As principais formas de deslocação são mesmo os táxis – é só caminhar na rua e levantar o braço e em minutos estará dentro de um táxi a caminho do destino pretendido.
Outra excelente forma são os chamados pelos locais de Hiace (porque o transporte é feito de Toyota Hiace). Para quem sair de Praia, é só ir até ao exterior do Mercado de Sucupira e olhar para as portas das carrinhas para ver a indicação do destino. Neste caso, devem procurar a que diz Praia / Tarrafal / Praia. As Hiace são normalmente muito mais em conta, mas tenham em atenção que os motoristas aceitam muitas pessoas além da lotação permitida. Este meio de transporte tem já um trajeto definido e pode deixar-vos em praticamente qualquer sítio durante o percurso ou no ponto final. Ao nível da recolha, a lógica é a mesma.
No nosso caso conhecemos um taxista em quem confiámos e pagámos para ele nos levar ao Tarrafal e esperar por nós. No total por táxi são normalmente cerca de 12.000$ ECV (cerca de 108€ à data da nossa visita), mas o taxista acompanha durante toda a viagem.